20 de fevereiro de 2010

Competição Bíblica: um problema ou uma solução?


Por: Clauber Silva

Como diretor de competições bíblicas em conclaves e congressos de Mensageiras e Embaixadores do Rei aqui no Espírito Santo, sempre tive em mente uma pergunta que, nesses 5 anos de trabalho, venho tentando responder positivamente: nossas provas estão realmente promovendo o crescimento cristão de nossos meninos e meninas?

Pra responder e analisar essa questão, primeiro é preciso que a gente discuta o que é exatamente crescimento cristão. Primeiro: queremos que nossos meninos e meninas conheçam bem a Bíblia. Segundo: queremos que eles vivam aquilo que aprenderam. Bom, as competições são ótimas ferramentas pra que eles conheçam a Bíblia. Já o fato de fazê-los viver, isso cabe ao conselheiro e orientadora local, que devem não somente conhecer bastante a Palavra de Deus como também ser o exemplo vivo pra nossa galerinha (aquilo que Paulo disse em 2 Coríntios 3.3 sobre ser carta de Cristo, escrita não com tinta, mas com o Espírito). O propósito da competição só se completa se o líder local faz a sua parte, mas cabe a nós, líderes estaduais e associacionais a tarefa de estimular essa busca pelo conhecimento através das competições bíblicas.

Quero nesse texto discutir apenas essa primeira parte: a de que a competição bíblica vai estimular a busca pelo conhecimento. Vamos analisar alguns problemas presentes no nosso contexto:

1) Prova realmente serve pra se aprender algo? A ideia de prova como existe hoje nas escolas já é um problemão. Sem mencionar o fato de que para muitos isso é sinônimo de pesadelo, não é segredo pra ninguém que todo mundo estuda pra prova e depois dela esquece o que aprendeu. Responda pra você mesmo: ainda se lembra do que você aprendeu estudando pra prova de história na sua 7ª série? Se você ainda lembra, com certeza aprendeu porque seu professor era bacana, ou porque você gostava muito de história, mas com certeza não foi por causa da prova. A prova tem um fim em si mesmo. Ela passou, perdeu-se o sentido de saber o assunto.

2) Muitos de nossos adolescentes e pré-adolescentes gostam de fazer prova bíblica, afinal temos o estímulo da medalha! Mas repare que no seu grupo tem aqueles que têm medo da palavra prova e não vão topar nunca fazer alguma, limitando-se a torcer pelos outros nos conclaves e congressos. Talvez porque tenham problemas com a escola, talvez com a auto-estima, talvez por outro problema. A verdade é que acabamos por privilegiar aqueles que aprenderam a gostar de prova e deixamos de lado os que fazem número nas estatísticas de fracasso escolar.

3) Desses que topam fazer prova, nem todos sabem ao certo como estudar. Já percebi certos meninos e meninas fazendo pela milésima vez a mesma prova num conclave, cometendo os mesmos erros novamente, sem demonstrar o menor crescimento no que estão estudando (ou deixando de estudar). No fim das contas, se contarmos no dedo quantos estão realmente se dando bem em provas, será que temos uma quantidade significativa no nosso grupo?...

4) Finalmente, temos aqueles que estão sempre no pódio, recebendo medalhas (geralmente os mesmos, infelizmente), garotos e garotas que nos alegram por vermos nele o crescimento intelectual. Mas nesses ainda me pergunto se estão realmente crescendo. Estão sempre ali por que aprenderam o conteúdo ou porque aprenderam a fazer prova? Estão ali porque a cada dia estão aprendendo mais e mais da Bíblia ou porque se tornaram 'feras' naqueles conteúdos específicos e só ganham medalhas sempre na mesma prova? Raros são os Embaixadores e Mensageiras que conheci que colecionam medalhas de várias provas diferentes e que, dessa maneira, estão realmente crescendo. Quando o conselheiro ou orientadora entendem que é legal fazer rodízio de prova entre esses campeões rotineiros, aí sim, o menino ou menina vão longe!

Uau! Quanto problema! Que desafio nós temos nas mãos, penso eu! Tenho refletido muito nisso tudo e, cada vez que me preparo pra mais um conclave ou congresso, procuro pensar num modo de ir modificando esse cenário. Já pensei em me especializar em didática do ensino, mas infelizmente isso ainda está longe do meu alcance. Quem sabe um dia?... enquanto isso, tento modificar de pouco em pouco alguns detalhes para aperfeiçoar nosso sistema.

Vamos fazer uma análise do objetivo e da forma de cada uma das competições bíblicas que temos atualmente:

Esgrima Bíblico — a mais tradiconal competição bíblica das nossas organizações, praticamente um ícone de nosso trabalho. É aquela prova onde ganha quem achar primeiro na Bíblia a referência citada. Essa competição é excelente para a/o menina/o aprender os nomes dos livros da Bíblia, a ordem em que se encontram e a estrutura de capítulos e versículos. É ideal para ERs e MRs novatos. Mas não tem mais valor para os mais antigos. Depois de um tempo de prática, se torna uma prova de velocidade e se você trocar a Bíblia pela lista telefônica vai dar no mesmo. Perdeu-se o sentido da brincadeira.

Esgrima Bíblico Avançado — é uma variação que eu criei da prova tradicional. Nessa, ao invés de encontrar a referência citada (por exemplo, Romanos 12.4) o competidor tem que encontrar uma palavra ou expressão (por exemplo, justiça ou manjedoura). Desse modo, vence aquele que realmente conhece o texto bíblico e não simplesmente o que sabe os endereços da Bíblia. Não é uma prova ideal para iniciantes, por isso o nome 'Avançado'. Uma preocupação que o juiz da prova precisa ter: as palavras que serão citadas estão presentes em todas as traduções da Bíblia? (Certa vez citei aboboreira num grupo. Ninguém encontrou, nem mesmo um dos garotos que conhecia bem a história de Jonas. A Bíblia dele mencionava a palavra planta...)

Montagem Bíblica — é uma prova que cobra do competidor conhecimento da estrutura da Bíblia. Ele deve dispor no papel a sequência correta dos livros da Bíblia, as suas divisões básicas (pentateuco, históricos, poéticos, etc.) e o número de capítulos de cada livro. Para quem vai corrigi-la é simplesmente terrível. Pense na caligrafia dos competidores! Como considerar os erros de ortografia? De que maneira se pontua cada livro e capítulo? A correção acaba sendo muito subjetiva de modo que estamos evitando aplicar essa prova. Mas, assim como Esgrima Bíblico, ela é interessante para grupos novatos. E tem também os mesmos problemas em grupos mais experimentados.

Conhecimentos Gerais da Bíblia — é uma prova escrita com perguntas formuladas sobre as histórias e fatos bíblicos. Da maneira como aplicamos atualmente, a prova apresenta 20 questões objetivas, isto é, com 4 alternativas de respostas para o competidor marcar X na correta. Geralmente vence quem realmente está familiarizado com a Bíblia, pois é impossível estudar a Bíblia toda nos últimos 30 dias antes da prova. No nível que formulamos a prova, costumamos dizer que é capaz de tirar uma boa nota quem presta atenção nas aulas da EBD. Mas é um conteúdo muito abrangente, de forma que temos dividido em três provas distintas: Antigo Testamento, Novo Testamento e um livro específico definido previamente (Evangelho de Lucas, por exemplo). Pode-se também inventar novas modalidades específicas como Personagem Bíblico ou Geografia Bíblica. Dá certo também para conteúdos de livros missionários e de conhecimentos das organizações. Quem elabora esse tipo de prova deve tomar o cuidado de formular questões de assuntos relevantes. Perguntar com que idade morreu Matusalém ou em que cidade nasceu Minnie Lou por exemplo serve pra quê? As questões precisam cobrar conhecimento preferencialmente na compreensão dos fatos, nos personagens envolvidos e nas mensagens transmitidas.

Debate de Versículos — é a prova onde o competidor em cada rodada fala qualquer versículo da Bíblia, desde que rigorosamente como está em sua Bíblia e com a devida referência. À medida em que os competidores vão errando ou falando versículos repetidos, vão sendo eliminados, sendo vencedor o que permanecer até o fim, isto é, quem sabe mais versículos decorados (e tem mais sangue frio...). É a prova que mais valorizamos já que o/a menino/a memoriza trechos da Palavra de Deus, mas temos o seguinte problema: nem todos os versículos decorados têm relevância na vida do competidor, que muitas vezes decora textos curtos (como "E o segundo", Lucas 20.30) ou exóticos (como "A feiticeira não deixará viver", Êxodo 22.18). Definir quais versículos são válidos e quais não são é uma tarefa impossível, dado o grande número de versículos e a subjetividade da mensagem de cada um, por isso acabamos por aceitar todos os versículos. Uma variação dessa prova que criei foi a chamada Debate de Provérbios, onde os únicos versículos válidos são os do livro de Provérbios. Esse livro foi escolhido porque cada versículo tem uma mensagem completa e prática, muito mais direta na vida de nossas crianças e adolescentes. Há um tempo um conselheiro de ER me sugeriu que escolhêssemos previamente o livro a ser decorado para cada conclave ou congresso, ideia que achei interessante mas que ainda não implementamos.

Detetive Bíblico — é a mais recente de todas. É uma prova escrita com a mesma estrutura de Conhecimentos Gerais, onde o enunciado da questão é um versículo bíblico e as alternativas de resposta são nomes de livros bíblicos. O competidor deve marcar em qual desses livros se encontra o versículo citado. Isso não quer dizer que o competidor precisa conhecer cada versículo da prova, mas conhecer o assunto e/ou o estilo literário de cada livro. Veja o exemplo abaixo:

"Em ti, Senhor, me refugio; nunca seja eu envergonhado; livra-me pela tua justiça!"
a) Gênesis b) Apocalipse c) Salmos d) Amós

Imagine um competidor que tenha costume de ler a Bíblia e por isso esteja familiarizado com ela. Mesmo que ele não conheça esse versículo, ele poderá deduzir que uma súplica como essa não é típica de um livro histórico como Gênesis, nem profético como Apocalipse ou Amós, mas é próprio das orações do livro de Salmos. É o tipo de prova que privilegia não quem estudou intensamente nas últimas semanas, mas que estuda rotineiramente e "tem prazer na lei do Senhor" (Salmo 1.2). A pessoa que formula esse tipo de prova deve evitar 'pegadinhas' (será Jó ou Salmos?) ou versículos atípicos (como um salmo cantado por Ana em pleno livro de 1 Samuel). Lembre-se que estamos formulando prova para adolescentes e juniores e não para o pastor da igreja.

Sei que ainda estamos longe de um modelo de trabalho que faça com que todos os nossos meninos e meninas cresçam intelectual e espiritualmente no conhecimento bíblico. Sei também que as soluções aqui apontadas atingem ainda uma pequena parte do todo. Gostaria de ver resolvidos todos os problemas apontados no início desse texto ainda nos próximos 10 anos. Para isso, nós que nos envolvemos com competições bíblicas, seja como formuladores de provas, seja como líderes locais ou até mesmo Mensageiras e Embaixadores, precisamos sempre nos voltar à questão-chave proposta no início deste artigo. Desse modo, estaremos sempre aperfeiçoando nosso sistema e permitindo que as próximas gerações que vão nos suceder nessa tarefa saibam ir ainda mais além.

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